Você sabe o que é a Teoria da Coerência Central Fraca, e como entender isso pode te ajudar a compreender melhor o espectro autista?

Entender o autismo também é aprender a ver o mundo pelos detalhes. Conheça a Teoria da Coerência Central Fraca, de Uta Frith, e veja como ela me ajudou a criar estratégias simples e eficazes para apoiar minhas filhas autistas valorizando suas forças e respeitando seu ritmo.

Fabiana Pereira

3/5/20254 min read

Cada mãe atípica sabe que a jornada é feita de descobertas únicas.
No meu caso, com a Manuela e a Milena, tem sido uma verdadeira aula de amor e adaptação.
Mas confesso: não é fácil entender como elas percebem o mundo.

Há algum tempo, aprendi sobre a Teoria da Coerência Central Fraca, de Uta Frith, e isso mudou completamente a forma como eu enxergo minhas filhas e o autismo.

O que é a Teoria da Coerência Central Fraca

A Teoria da Coerência Central Fraca, desenvolvida por Uta Frith em 1989, propõe que pessoas no espectro autista tendem a focar nos detalhes, em vez de enxergar o todo.

Exemplo prático:
Enquanto a maioria das pessoas vê uma árvore como um todo , folhas, galhos, tronco, uma pessoa com coerência central fraca pode se concentrar apenas nas folhas, ignorando o restante.

Essa característica pode ser uma força em situações que exigem atenção aos detalhes,mas também traz desafios em tarefas que pedem uma visão mais integrada.

Compreender isso me ajudou a reconhecer padrões únicos de como minhas meninas percebem o mundo e, confesso, até mesmo sobre mim.

Como isso se manifesta nas minhas filhas

Manuela: o foco invisível nos detalhes

Manuela, minha filha mais nova, é autista nível 3 e não verbal.
Desde pequena, percebi como sua atenção aos detalhes molda suas interações com o mundo.

Um exemplo marcante:
Certa vez, no supermercado, Manuela começou a puxar a prateleira inferior da seção de doces.
Imaginei que ela quisesse um chocolate, então ofereci várias opções, nenhuma funcionou.

Depois de alguns momentos de frustração, decidi soltá-la do carrinho.
Ela foi direto para a última prateleira e encontrou um pirulito de morango escondido entre outros produtos.
Era exatamente o que ela queria!

O mais curioso: ofereci outros dois pirulitos depois, e ela recusou. Ela já tinha conseguido o que queria, apenas um.

Essa experiência me ensinou a olhar o mundo sob a perspectiva dela: o que parece insignificante para mim, pode ser um foco cristalino para ela.

Milena: a contadora de histórias

Já Milena, minha filha mais velha, é autista nível 2. Ela tem um talento extraordinário para criar histórias vivas, mas às vezes se perde em integrar os detalhes ao contexto maior.

Quando descreve algo, é como se pintasse um quadro com palavras: cores, cheiros, gestos, lugares, tudo está lá.
Mas, se pergunto sobre o significado ou a moral da história, ela se perde.

Milena também aprendeu a mascarar sentimentos em situações sociais, imitando comportamentos para se adaptar.
Esse esforço, porém, é emocionalmente exaustivo e invisível para quem não convive com ela.

Quando menciono que ela é autista, as pessoas reagem com surpresa:

“Ela nem parece autista!”
Uma frase comum, e dolorosa que reflete a falta de compreensão sobre o espectro.

Estratégias que uso inspiradas nessa teoria

Com base na Teoria da Coerência Central Fraca, desenvolvi e aperfeiçoei várias estratégias para apoiar minhas meninas, valorizando suas forças e reduzindo seus desafios.

Algumas eu já usava intuitivamente, mas entender a teoria trouxe clareza e propósito.
Talvez possam inspirar outros pais também:

1. Desmembrar tarefas complexas

Exemplo:
Para ensinar Manuela a montar quebra-cabeças, mostro uma peça de cada vez.
Quando apresentei o brinquedo pela primeira vez, ela não se interessou.
Então, escolhi uma imagem que ela gostava, montei quase todo o quebra-cabeça e deixei apenas algumas peças faltando.

Isso despertou o interesse dela, porque, para quem percebe os detalhes, as peças faltando “gritam”.
Hoje, ela adora montar quebra-cabeças, mas antes disso, ela simplesmente ignorava.

2. Usar mapas mentais

Exemplo:
Com Milena, ainda no ensino fundamental, criamos mapas mentais para estudar.
Começávamos com um tema central no meio da folha (“O Sistema Solar”),
depois criávamos ramos com palavras-chave como “planetas”, “sol”, “gravidade”.

As conexões visuais ajudavam Milena a entender o todo, sem se perder nos detalhes.
Cores, adesivos e desenhos tornavam o aprendizado mais envolvente e divertido.

3. Comunicação clara e objetiva

Exemplo:
Com Manuela, uso frases curtas como “Banho agora” ou “Hora de comer”, acompanhadas de gestos ou imagens.
Isso reduz a ansiedade e cria previsibilidade.

Também uso cartões PECS para indicar escolhas ou atividades.

Já com Milena, que fala bem mas se perde em explicações longas, uso a técnica dos três passos:

“Primeiro você desenha, depois escreve o título, por fim colore.”
Assim, ela entende o objetivo e se organiza melhor.

4. Evitar sobrecarga de informações

Exemplo:
Com Milena, ao ensinar um novo hábito, divido em partes.
Quando ensinei a usar uma agenda, primeiro mostrei só como anotar as tarefas.
Depois, como usar cores para marcar prioridades.
Por último, como revisar as anotações diariamente.

Com Manuela, quando apresento um brinquedo novo, deixo que explore apenas uma parte por vez,
para que não se sinta sobrecarregada com estímulos de uma só vez.

5. Incentivar interesses únicos

Exemplo:
Manuela adora texturas, tecidos, grãos, massas.
Para ensinar números, criei uma bandeja sensorial com areia colorida e escondi números de plástico dentro.
Ela procurava o número e depois traçávamos juntas com o dedo na areia.

Já com Milena, que ama histórias, usei esse interesse para introduzir temas escolares.
Por exemplo, explicar conceitos de ciências usando personagens de desenhos que ela já conhecia.

Reflexão final

Compreender a Teoria da Coerência Central Fraca me ajudou a criar e recriar estratégias com intenção e base.
Antes, eu me sentia perdida em muitos momentos.
Hoje, esse conhecimento me permite enxergar com mais clareza e propósito.

A vida com elas me ensina que não há uma única maneira de entender ou interagir com o mundo.
Cada criança autista é um universo, e apoiar essas jornadas é um aprendizado contínuo.

Se você convive com autistas ou busca formas de apoiá-los, espero que minha experiência inspire novas maneiras de interagir e ensinar.

Lembre-se: valorizar os detalhes enquanto ajuda a integrar o todo é uma das chaves para criar um ambiente mais inclusivo e acolhedor.
Afinal, cada criança no espectro é única e especial.